sexta-feira, 4 de maio de 2018

Dilúvio de Luz

Passas por mim já muito perto da foz. Banhado em lágrimas, contas-me as últimas histórias que viveste no longínquo Alto Douro. Falas-me de pessoas, de antigas praças de gentes de cujo o esforço heróico, fez nascer um outro mundo onde te espraiaste sonhador, de lugares maravilhosos que visitaste ao longo das fantásticas viagens que todos os dias empreendeste no decurso de  de milhões de anos que já viveste iluminando com as tuas águas, fomes seculares, escuridões territoriais a quem já nenhum de nós dá luz aceitando o desprezo e o esquecimento de um país inteiro, de inexpugnáveis rochedos, fraguedos medonhos rompidos com tenacidade e a imensurável força das tuas alucinadas águas, de montes, outeiros facetados pelas mãos do homem que, para te enfeitar, os corou de vinhedos, de localidades fantásticas que ajudaste a nascer atraindo pessoas de todas as partes do mundo que se lançam nas tuas correntes maravilhados, de reentrâncias trabalhadas com infinito amor e finíssimas rendas bordas e edificadas pela tuas mãos nas  margens que te ladeiam onde repousam velhos barcos carregados de sonhos lindíssimos.
Vais feliz e simultaneamente triste a caminho do mar. Tal como eu, tens de cumprir o teu destino até à última gota do dilúvio de água que te anima. Em breve serás parte integrante de um imenso oceano, um colosso, o paraíso de todas as águas.
Há tantas semelhanças nas nossas comuns existências sobre a terra. Tu já foste mar, depois tornaste a ser rio, daqui a pouco serás mais uma vez oceano. Eu já fui pó, gerei-me a partir do nada de onde tudo se cria ou transforma, brevemente voltarei a ser cinza, pó e nada. Do que sou e fui, salvar-se-á um espírito que regressará à casa paterna, ao todo de que faz parte depois de ter sido um homem igual a todos os outros, um  ser animado e vivo e de, embora vão, ter tentado tudo para ser feliz.  Transcendemos o tempo, este nosso tempo, somos eternos ao metamorfoseando-nos continuamente até à improvável consumação dos séculos.
No fim dos dias, se por desdita de todos nós houver um fim para a perfeição das coisas sagradas, tu sersá mais uma vez um mar infinito, um esplendor maravilhoso aberto aos ávidos e felizes olhos das criancinhas que nunca temeram a imensidão dos mares e eu outra vez um espírito purificado, um dilúvio de luz a caminhar feliz sobre as tuas ondas...

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