sábado, 25 de outubro de 2008

A Sanfona de Nespereira

Ainda com madrugada do outro lado do rio, mais precisamente às quatro da manhã, uma música dolente, tocada ao vivo pela orquestra dos Finfas de Nespereira de Cinfães, onde sobressai a rabeca, saia pelas janelas abertas da casa da encosta, na quinta de Santa Cruz. As cortinas de linho rendadas balouçam ao sabor da ligeira brisa. Ora para dentro, ora para fora, numa dança suave e fresca.


O Vaz Teixeira, moço fidalgo, alto e magro, já recolhera ao quarto cor-de-rosa onde uma lâmpada eléctrica encasquilhada num prato de esmalte balouça impelida pela aragem dando contornos indecifráveis aos móveis de século que decoram ricamente o salão. Com gestos de mestria próprios de quem se dedica de alma e coração às artes do amor, o fidalgo tosquia a filha do distinto proprietário da quinta das Ganjas. Ela é uma rapariga de aproximadamente vinte anos de estatura mediana bonita culta e frequentadora dos melhores colégios do Porto, aproveita uns dias para retiro e retemperar forças para enfrentar os calhamaços de onde retira o saber .

No meio do recinto e sentado numa poltrona de couro, o conde do Pedregal, gordo e baixote, completamente tomado pelo álcool, vai gabando a mulher por virtudes altamente demonstradas no exercício da presidência de uma associação de caridade e aproveita para apelar à generosidade dos presentes e pedir umas centenas de escudos que engrossem os cofres da colectividade sem fins lucrativos da mulher. O Rocha Melo figura nutrida, segura uma barriga do tamanho de um pipo de dois almudes descaída sobre as partes e assente nas coxas, ouve interessado as exposições do amigo e vai olhando de lado para as partes visíveis das pernas da mulher do conde inadvertidamente desprotegidas pelas grandes saias de roda com folhinhos. No desenrolar entusiástico da festa, a mulher do Conde não tira os olhos do Melo que retribui com um sorriso besta estatelado na cara.

A noite não ficará por aqui, embalados pela contradança musical do conjunto, abraçam-se apertados e, nas vira - voltas da dança, os peitos das damas, oscilam apetitosos para cima e para baixo. O champanhe escorre e transborda descuidadamente das taças trazidas pelo Pinto da Rabuça que faz de criado, num exagero deveras desnecessário. Vestindo uma jaqueta branca e luvas da mesma cor, mais parece um pinguim. As calças são pretas e justas ao corpo, os sapatos de verniz, brilham e condizem perfeitamente com o empastado cabelo à força de brilhantina.

- E virou! Diz o mandante Toninho de Verdeiros, abastado lavrador e um dos mais boémios da povoação que assume atitudes de quem vive exclusivamente dos prazeres da vida e se tornou num um autentico maca-mulas. Gordinho e baixote, vermelho da cara mais parece um tomate maduro. A cabeça redonda assente em cima dos ombros, é uma autêntica abóbora e o pescoço esconde-se todo naquela montanha de carne. Do queixo saem a pender umas bofelas que fazem lembrar um porco matadouro, se bem que todo ele é parecido com tal, ou então visto de cima da varanda, é o retrato chapado de um saco de batatas com pernas. Os olhos são arregalados, brancos raiados por vasos de sangue, tem ao centro duas pupilas dilatadas que assustam qualquer pessoa. Traja umas calças pretas de fazenda e uma camisa de popelina branca aparece na cintura a sair por baixo do colete preto forrado na traseira a cetim da cor de vinho tinto.

Na Quinta de Verdeiros onde vive e é proprietário, junta os velhotes na adega e enche-os de vinho onde previamente mistura aguardente embriagando-os a todos. Comida não dá o filho da mãe, mas vinho é à discrição. Quer vê-los a tombar como postes de telefone arrancados por grande tempestade e fazerem as piruetas ridículas próprias dos alcoolizados. Escarnece e ri-se em sonoras gargalhadas até cair sufocado.

Faz mais o remelado da trampa, como lhe chama a Micas Barulha. Contrata mulheres para as tarefas da quinta e depois anda a correr atrás delas como um cão atrás de cadela à queira. É assim atolascado o velhote, cobiça tudo o que vê com saias e, as cenas de cio que desempenha acabavam sempre da mesma maneira, mija-se todo pelas pernas abaixo.

Muito depois das quatro e pouco da manhã a sanfona de Nespereira começa a tocar a Balsa da Meia - noite no salão. Onde é que ela já vai! Entretidos no regabofe nem deram pelo passar do tempo embora isso não lhes faça grande diferença pois vão dormir por ali até à próxima noite. Pior estão os mineiros que passam a caminho da mina. Vêm de longe, trazem no cansaço das pernas horas e horas de jornada desde o cimo do Marco de Canavezes, Penafiel e de outras terras. A cama foi-lhes breve, marcham solitários pelas serras abaixo e os sinais do gozo burguês, só lhes provocam comichões nos tomates. Querem lá saber da festa. Festas, festas são as de S. Domingos, da Sta. Eufêmia, da Senhora das Amoras e o S. João no Porto. O resto é assim uma coisa desengraçada, própria de quem não tem mais que fazer, de ricos. Vão aos anos uns dos outros e, trocam de mulher mais vezes que um mineiro troca de camisa. 
A música abrandou e os últimos acordes ficam a pairar nos campos, a alvorada rompe por cima das serras e descobre ao fundo do vale um rio imenso a despertar também.

2 comentários:

Os Finfas disse...

Olá
Obrigado pelo seu comentário no blog do nosso grupo tradicional. É com enorme prazer que vemos o nome do nosso conjunto(já com décadas de existência) associado a tão belas histórias da nossa região.
Apesar de não conhecer o blog, já tinha encontrado esta história (ou idêntica) num forum sobre Merles (salvo erro)!
Aqui ficam os nossos cumprimentos e votos de boa escrita!

Só uma pergunta: conheceu o nosso conjunto em tempos antigos em Nespereira? Actualmente tem acompanhado?

Mais uma vez, obrigado por referir o nome do nosso conjunto!

Anónimo disse...

Bonjour, dourointeiro.blogspot.com!
[url=http://cialischwa.pun.pl/ ]Achat cialis en ligne[/url] [url=http://viagratitu.pun.pl/ ]Acheter viagra [/url] [url=http://cialismaro.pun.pl/ ]Acheter cialis [/url] [url=http://viagraline.pun.pl/ ] viagra online[/url] [url=http://cialistina.pun.pl/ ] cialis online[/url] [url=http://viagradysi.pun.pl/ ]Acheter viagra [/url]